terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ainda sobre Consulta para Reitor

Solicitamos ao Advogado Rogério Coelho, da Assessoria Jurídica da Assufrgs, parecer sobre a possibilidade da consulta a reitor ser retirada do Estatuto e ainda assim ser regrada pelo Consun e realizada pela administração central, a exemplo do que já acontece em várias universidades federais. Veja abaixo o teor do parecer.



CONSULTA

ASSUFRGS – 05/2011


Ementa – Consulta informal à comunidade universitária sobre eleição de dirigentes, sem observância do peso atribuído pela Lei nº 9.192/95 ao segmento docente. Possibilidade de sua deliberação pelo CONSUN e gestão pela Administração. Relatório da Comissão Especial da UFRGS remetendo a vedação pela Nota Técnica 437/11. Precedentes em outras Universidades Públicas Federais.



                       
Relata a Coordenação da ASSUFRGS que, em debate no âmbito da comunidade universitária sobre a forma adotada na consulta que precede a escolha de dirigentes, foi constituída comissão especial para emitir parecer sobre as alternativas possíveis, uma vez que é questionado o peso conferido ao segmento docente pelos demais segmentos nas consultas que vêm sendo implementadas pela Instituição.

Neste relatório, a referida comissão observou que o Estatuto da UFRGS prevê, no seu artigo 12, com a alteração introduzida pela Decisão 148/94 do CONSUN, que a escolha de dirigentes, a ser realizada pelo CONSELHO UNIVERSITÁRIO, incluiria CONSULTA à comunidade, o que teria conferido a esse procedimento caráter oficial e formal. Nestas condições, sobre ela incidiriam as regras incluídas posteriormente pela Lei nº 9.192/95, no artigo 16, inciso III, da Lei nº 5.540/68, dentre elas a obrigatoriedade de observância do peso mínimo de setenta por cento (70%) para o segmento docente.

A seguir, considera a possibilidade de alteração do artigo 12 do Estatuto da UFRGS, para suprimir a expressão que introduziu a consulta formal à comunidade universitária, para que, assim, ficasse aberto espaço para consulta informal. Sendo informal a consulta, poderia ser contornada a imposição de peso de setenta por cento para o segmento docente, instituindo-se outra forma de composição dos votos dos três segmentos que conformam a comunidade.

Ao considerar esta hipótese, o relatório constata a existência da Nota Técnica nº 437/11, que – após reiterar a inafastabilidade da observância das regras inscritas no inciso III do artigo 16, da Lei nº 5.540/68, com a redação dada pela Lei nº 9.192/95, nos procedimentos de consulta às comunidades universitárias, formalmente instituídos – admite a possibilidade de realização de consultas informais, que adotem critérios alternativos, mas proclama o impedimento de iniciativa dos Conselhos Universitários na realização destas consultas e proíbe a participação das administrações das Instituições na sua efetivação.

Daí a conclusão de que consultas informais somente poderiam ser realizadas à margem da Instituição e de seus órgãos dirigentes.

A entidade sindical questiona a conclusão final posta no relatório, consultando-nos sobre a possibilidade jurídica de convocação de consultas informais pelo CONSUN, bem como da gestão da consulta pela Administração da UFRGS, após a modificação do artigo 12 do seu Estatuto, para exclusão da consulta formal e oficial.

Pondera que outras Universidades Públicas Federais têm procedido desta forma, sem que lhe tenham sido imputadas irregularidades.


RESPOSTA À CONSULTA FORMULADA

Posta a questão nestes termos, respondemos que a imposição pretendida pelo Governo Federal, através da aludida Nota Técnica, excede a possibilidade jurídica de intervenção administrativa, eis que ofende frontalmente o princípio da autonomia universitária consagrado pelo artigo 207 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

“As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

A autonomia, segundo a doutrina universal, abrange os poderes de autogoverno e autonormação. É certo que o exercício da autonormação se dará dentro do ordenamento geral do Estado, mas este ordenamento, decorrente da sua intervenção normativa na conformação das Instituições Universitárias, não poderá anular nem reduzir a autonomia, devendo antes ser orientado para sua concretização.

E a deliberação da Instituição Universitária, pela realização de uma simples consulta informal, que sequer tem efeito vinculante, não está vedada pelo legislador ordinário, que não poderia fazê-lo sem ofender gravemente o princípio constitucional da autonomia.

A melhor doutrina aponta neste sentido, como adiante se verá.
             
Almiro do Couto e Silva diz que, com a elevação do princípio da autonomia das universidades ao patamar constitucional, ela não poderia mais sofrer restrição por obra do legislador ordinário. Segundo seu magistério:

[...] a inclusão no texto da Constituição, do princípio da autonomia universitária como garantia institucional, tem, com relação à legislação ordinária, um duplo efeito. Em primeiro lugar, ao entrar em vigor a Constituição, implicou a derrogação de todas as regras inferiores que com ela fossem incompatíveis. Em segundo lugar, impediu que a legislação futura pudesse, validamente, estabelecer qualquer restrição àquela autonomia. Na verdade, ao princípio acolhido no seu art. 207, o nosso Estatuto Político Fundamental não opôs qualquer cláusula restritiva, do tipo ‘na forma da lei’, à semelhança do art. 33 da Constituição italiana, de modo a fazer do preceito uma regra de eficácia contida, na classificação de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais, SP, Revista dos Tribunais, 1968). Cogita‑se, por conseqüência, de uma norma de eficácia plena, insuscetível de ter o seu significado e sua extensão diminuídos, ainda em mínima parte, pela legislação ordinária.”

A seguir, COUTO E SILVA esclarece a sua assertiva, dizendo que o que está vedado ao legislador ordinário é o desvirtuamento da autonomia, in verbis:

“Não é que a regra constitucional vede legislação ordinária que lhe explicite, de forma mais minuciosa ou pormenorizada, o seu sentido, facilitando‑lhe a aplicação às situações concretas. O que a norma constitucional sobre autonomia universitária impede terminantemente é que a legislação ordinária, sob o pretexto de dar tratamento mais minudente ao preceito superior, acabe por desvirtuá‑lo, conferindo‑lhe um contorno e uma dimensão que ele não possui.”
 
Nina Ranieri, referindo-se ao artigo 207 da Constituição, diz que ele encerra norma de eficácia plena e que a sua completude torna inconstitucional qualquer lei inferior que disponha sobre a extensão, o sentido ou conteúdo da autonomia das universidades. Admitindo adiante que, embora não necessite regulamentação, a norma é regulamentável, diz que a lei editada com tal objetivo assume caráter instrumental, “visando a maior funcionalidade do comando por via da legislação ordinária”.

No seu magistério “não é possível à lei ordinária, entretanto, sob o pretexto de regulamentar à norma constitucional, fixar-lhe o sentido e o alcance, ou mesmo procurar interpretá-la”. Considera que a norma em apreço poderia receber regulamentação tendente a otimizar e implementar sua explicação, desde que “de mero desdobramento dos seus aspectos externos e não de integração constitucional”.

Ana Candida Figueiredo Ferraz disserta sobre as consequências da inserção do princípio da autonomia na Constituição, enfatizando a “eficácia derrogatória e irrecusável da norma que a contempla, cuja supremacia se impõe à observância necessária do legislador ordinário”, bem como o efeito de “bloquear a possibilidade de intervenção normativa dos entes normativos inferiores com o objetivo de restringir ou anular a autonomia”.

As lições transcritas são suficientes para revelar a extensão e o alcance do princípio da autonomia. Efetivamente, se até mesmo a intervenção normativa do Estado, através de procedimento legislativo, não pode cercear a atividade autonômica das universidades públicas, parece ser temerária a produção de um cerceamento, através de um ato de governo, editado com a pretensão de interpretar a normatividade editada pelo legislador.

A estas razões deve ser agregada a força normativa das práticas democráticas adotadas em diversas Universidades Públicas Federais, que optaram pela realização de consultas informais à comunidade universitária, para fixar os critérios de apuração da vontade coletiva por elas manifestada.

Assim, concluímos pela possibilidade de convocação de consulta informal pelo Conselho Universitário da UFRGS, bem como pela possibilidade de gestão dessa consulta pela Administração Central, segundo os critérios democráticos por ele estabelecidos. Isto, naturalmente, após a supressão da expressão que institui a consulta formal no enunciado do artigo 12 do Estatuto.

Esta a resposta à consulta formulada pela entidade sindical.

Porto Alegre, 22 de novembro de 2011.


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ROGERIO VIOLA COELHO

Advogado – OAB/RS – 4655

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